Criptorquidismo em cães

Criptorquidismo em cães

Criptorquidismo (do grego: testículo escondido) é uma alteração reprodutiva de machos


Autor: Profa.Silvia Edelweiss Crusco dos Santos
Professora de Reprodução Animal da UNIP (Universidade Paulista)

PROFA. DRA. CAMILA INFANTOSI VANNUCCHI, VRA – FMVZ-USP
MARILU CRISTOFOLI, MÉDICA VETERINÁRIA AUTÔNOMA.
Matéria publicada com autorização da Autora no
Boletim Informativo ANCLIVEPA - SP - Nº39 - Pág.12-17 

Resumo 

Criptorquidismo é uma alteração reprodutiva de machos, caracterizada pela ausência do deslocamento de um ou de ambos os testículos da cavidade abdominal para o escroto, permanecendo no tecido subcutâneo da área pré-escrotal, no abdome ou na área do anel inguinal. É uma doença hereditária autossômica, ligada ao sexo, portanto, embora somente os machos manifestem os sintomas, as fêmeas podem ser portadoras do gene responsável. Existem vários sintomas associados ao criptorquidismo, tais como: esterilidade, distúrbios de comportamento, aumento de sensibilidade local, dermatopatias, alterações neoplásicas dos testículos, entre outros. O diagnóstico deve ser feito através de inspeção visual e palpação cuidadosa do escroto ou por ultra-sonografia quando a ectopia é abdominal. A terapia de escolha para o criptorquidismo é orquiectomia bilateral, por reduzir as chances do desenvolvimento de neoplasias testiculares e a possibilidade de transmissão genética do problema. Portanto, a melhor forma de controle do criptorquidismo é por meio de melhoramento e aconselhamento genético conscientes. 

DEFINIÇÃO

Criptorquidismo (do grego: testículo escondido) é uma alteração reprodutiva de machos, caracterizada pela ausência do deslocamento de um ou de ambos os testículos da cavidade abdominal para o escroto 9. Criptorquidismo unilateral é o termo correto para se definir a ausência de um único testículo no escroto e criptorquidismo bilateral refere-se à ausência de ambos. O testículo pode estar retido no tecido subcutâneo da área pré-escrotal, no abdome ou na área do anel inguinal. 
FIGURA 1: Cão com criptorquidismo 

INCIDÊNCIA

A incidência desta alteração em uma população de cães foi descrita como sendo em até 5,0% 5. O criptorquidismo unilateral é mais comum que o bilateral, ocorrendo com variação de 79,8 % e 20,2%, respectivamente 10. No unilateral, o testículo direito é mais acometido que o esquerdo com incidências de 65,7% e 34,3% respectivamente 6. O testículo direito retido em região inguinal é a forma mais comum de criptorquidismo, seguida do testículo direito retido no interior da cavidade abdominal 7. Existem raças de cães mais suscetíveis ao criptorquidismo, tais como: Border Collie, Boxer, Cairn Terrier, Chihuaua, Buldogue Inglês, Greyhound, Lakeland Terrier, Maltês, Schnauzer Miniatura, Old English Sheepdog, Pequinês, Poodle Toy e miniatura, Spitz alemão (Lulu da Pomerânia), Pastor de Shetland Shepherd Dog, Husky Siberiano, Silky Terrier, Teckel miniatura, Whippet e Yorkshire Terrier 1. Dentro de uma mesma raça existe a tendência de indivíduos de porte menor apresentarem o problema 14 . Em cães sem raça definida a incidência é significativamente menor do que nos de raças definidas . 

FISIOLOGIA E ENDOCRINOLOGIA 

A descida dos testículos ocorre normalmente em três fases. Na fase 1, ou de migração intra-abdominal, o testículo fetal, que se desenvolve caudalmente ao rim, é tracionado caudalmente pelo crescimento do gubernáculo, um tecido gelatinoso de origem mesenquimal, que conecta o pólo caudal do testículo à abertura externa do canal inguinal6,13. Em camundongos, foi descrito que os hormônios 17-á e 17-â estradiol e dietilbestrol regulam a expressão do gene INSL3 nas células de Leydig, resultando em um mecanismo de inibição da descida testicular transabdominal12. A fase II compreende a migração intra-inguinal e a fase III a migração do testículo para o escroto devido a regressão do gubernáculo6. Na fase de descida inguinal, a produção de andrógenos gonadais induzida pelo eixo hipotálamo-hipofisário, parece ser o fator endócrino determinante. Os andrógenos também são essenciais para a virilização do tubérculo genital.

Nos cães, a formação do tubérculo urogenital no feto se dá ao redor de 24 dias de idade gestacional, a formação dos testículos com 29 dias e o início da fase de migração transabdominal aos 42 dias. A fase de migração inguino-escrotal se inicia ao redor de 4 a 5 dias após o nascimento.

O processo de descida testicular deve completar-se até os seis meses de idade, quando, na maioria dos cães, o anel inguinal se fecha6. Porém, os testículos podem ser palpáveis no interior do escroto em períodos que variam de 10 a 42 dias de idade.(Foto 1) 

ETIOLOGIA E PATOGENIA 

Criptorquidismo é uma afecção causada por fatores genéticos mas tem componentes endócrinos e extrínsecos. Existe um envolvimento considerável de fatores genéticos em doenças relacionadas anomalias do cromossomo X, entre elas o aparecimento de criptorquidis-mo9. Outros defeitos congênitos parecem estar associados ao criptorqui-dismo incluindo hérnia inguinal, displasia coxofemoral, luxação de patela e defeitos do pênis e prepúcio6. Por conceito, o criptorquidismo é uma doença hereditária autossômica, ligada ao sexo10. Portanto, embora somente os machos manifestem os sintomas, as fêmeas podem ser portadoras do gene responsável. Acredita-se que a doença seja poligênica. 

A patogenia do criptorquidismo ainda não é bem esclarecida. Em humanos, condições como prematuridade, baixo peso e baixa estatura ao nascimento, gemelaridade e exposição da mãe a estrógenos durante o primeiro trimestre da gestação estão associados ao criptorquidismo9. Em cães também foram descritos como fatores predisponentes a apresentação posterior do feto no momento do parto, com comprometimento do suprimento sanguíneo dos testículos e retardo no fechamento umbilical, causando falha na capacidade do filhote em aumentar a pressão intra-abdominal e finalmente a persistência do ligamento suspensório cranial do testículo fetal. 

Certas anomalias que levam à deficiência ou ausência total da produção de testosterona podem acarretar em falha na descida testicular. São incluidas nestas alterações do cromossomo sexual, indivíduos com insensibilidade a andrógenos e portadores da síndrome de persistência do ducto de Müller. Ainda, alterações da inserção do testículo ao gubernáculo testis poderá acarretar em ectopia testicular1. Em medicina humana, existe a hipótese de que a secreção inadequada de hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), hormônio luteinizante (LH) ou testosterona é causadora de criptor-quidismo6. Em camundongos foi descrita uma deleção do gene que codifica um fator semelhante à insulina (Insl3) ou do seu receptor (Great/Lgr8) responsáveis pelo aparecimento de criptorquidismo bilateral 2. Porém em humanos e cães foram descritas apenas mutações silenciosas, sem o aparecimento do problema. 
FIGURA 2: Diferença de tamanhos entre o testículo que estava no escroto (maior) e o ectópico (menor). 

SINTOMAS 

Existem vários sintomas associados ao criptorquidismo, variando de acordo com a idade e a localização do testículo, tais como: esterilidade, distúrbios de comportamento, aumento de sensibilidade local, dermatopatias, alterações neoplásicas dos testículos, entre outros. 

Quando o criptorquidismo for bilateral o animal será estéril10. Entretanto, nos casos de criptorquidismo unilateral o testículo em posição escrotal terá espermatogênese normal8, sendo comum a oligospermia. 

Ao se induzir cirurgicamente o criptorquidismo unilateral em cães, Kawakami e col. (1999) observaram que houve diminuição da concentração espermática total e aumento dos níveis séricos (veia espermática) de estrógeno, bem como diminuição da concentração plasmática de transferrina, testosterona e hormônio luteinizante (LH) 8. O aumento do estradiol sérico sugere que ocorre inibição das funções endócrinas e da espermatogênese do testículo contra lateral. 

Os sintomas locais dolorosos são raros e intermitentes, mas podem ser traduzidos por dificuldades de micção ou por claudicação, principalmente se associados com neoplasia testicular. Apesar de incomum, a torção do cordão espermático do testículo abdominal provoca dor aguda, além de outras complicações. 

As chances do testículo ectópico desenvolver tecido tumoral é 13,6 vezes maior do que o testículo normal6. Os tipos histológicos mais comuns de neoplasia no testículo retido são o sertolinoma (50%) seguidos de seminoma (33%), teratoma e cistos dermóides. 

O cão criptorquídico pode apresentar modificações de comportamento como: hipersexualidade, excitabilidade, irritabilidade e tendência à agressividade. Ainda, as neoplasias em testículos ectópicos podem acentuar sobremaneira esta alteração comportamental, além da diminuição da fertilidade, do alto risco de torção do cordão espermático e todas as complicações clínicas e cirúrgicas pela presença do tumor15.

As dermatopatias são resultantes de insuficiência hormonal decorrente da degeneração testicular, normalmente encontradas no caso de sertolinomas. 

DIAGNÓSTICO 

O diagnóstico deve ser feito através de inspeção visual e palpação cuidadosa do escroto. Entretanto, a gordura escrotal em excesso e os linfonodos inguinais podem ser confundidos com testículo ectópico10. O testículo retido é menor em tamanho e peso (caso não haja neoplasia) em relação ao que está localizado no escroto6.O exame ultra-sonográfico pode ser de grande valia, pois permite identificar o testículo ectópico bem como alterações morfológicas do mesmo (Foto 3). É preciso ressaltar que a conduta expectante até o sexto mês de idade do animal é recomendada, antes de se estabelecer o diagnóstico definitivo. 

TRATAMENTO 

O tratamento para o criptorquidismo pode ser medicamentoso ou cirúrgico. A escolha da melhor conduta a ser realizada depende da idade do animal e da sintomatologia envolvida. Por ser uma afecção comprovadamente hereditária, o tratamento medicamentoso único corresponde a uma conduta questionável do ponto de vista ético. Porém, para cães jovens (até 16 semanas) que apresentam a ectopia testicular de difícil acesso cirúrgico, pode-se optar por tratamento medicamentoso inicialmente, no sentido de promover a descida testicular artificialmente para em um segundo momento proceder-se a terapia cirúrgica. 
FIGURA 3: Ultra-sonografia delimitando um testículo ectópico 

O tratamento medicamentoso pode ser realizado com o hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) ou drogas que tenham ação semelhante ao hormônio luteinizante, como por exemplo, a gonadotrofina coriônica humana3,6. A terapia de escolha para o criptorquidismo é orquiectomia bilateral, por reduzir as chances do desenvolvimento de neoplasias testiculares e a possibilidade de transmissão genética do problema. Dentre as possibilidades de correção cirúrgica, podese
realizar a orquiopexia ou reposição do testículo ectópico, entretanto essas são condutas que não interrompem a descendência genética da afecção, desta forma não recomendável. 

PROGNÓSTICO 

O prognóstico para a vida do animal é excelente quando o tratamento é realizado de forma a evitar o comprometimento neoplásico do testículo ectópico. Em contrapartida, o prognóstico para a vida reprodutiva é ruim. 

CONCLUSÃO 

O criptorquidismo é uma afecção bastante comum na clínica de pequenos animais. Porém, o desafio maior em relação a este problema é o estabelecimento de formas de controle e propagação do defeito em famílias e populações de cães. O controle definitivo do criptorquidismo só é possível por meio de melhoramento e aconselhamento genético conscientes. Para este fim, conhecimento acerca das características do problema são fundamentais. Por exemplo, sabendo-se tratar de uma afecção hereditária, o tratamento cirúrgico definitivo é o de eleição. Ainda, por ser uma alteração autossômica, ligada ao sexo, a transmissão do defeito genético pode ocorrer tanto através do macho como da fêmea. Portanto, a matriz e o reprodutor dos quais o cruzamento resultou em filhotes criptorquídicos, devem ser afastados da reprodução. 

Pesquisas que envolvam a identificação e o mapeamento deste problema genético nos cães devem ser estimuladas para que futuramente a utilização de técnicas de biologia molecular possam favorecer a localização do criptoquidismo na população e, portanto, auxiliar no sucesso do melhoramento genético da espécie.